«Reduzir a maioridade não é a solução»
Especialista em adolescência é contra a redução da idade penal.
O especialista esteve em Belo Horizonte, em agosto, para participar de fórum sobre violência promovido pela Faculdade de Medicina da UFMG. Em entrevista a Encontro, ele contou ainda como a sua cidade natal, Medellín, na Colômbia, que tinha um dos maiores índices de criminalidade e tráfico de drogas do mundo, na década de 1980, conseguiu reverter esse quadro. «A violência começou a cair quando mudamos a mentalidade de todos e a população passou a gostar da cidade», diz.
ENCONTRO – O senhor sempre diz que a violência atrai jovens, sobretudo homens, em todos os países do mundo, sejam eles países ricos ou pobres. Por que isso acontece?
MARIO ELKIN – Estudei mais detidamente essa questão na Colômbia. Mas isso também vale para o Brasil ou para a França, onde, aliás, participo de alguns grupos de pesquisa. O que acontece nesses três países? Primeiro, uma atração dos jovens pelo dinheiro fácil do crime, pela compra de aparelhos eletrônicos, roupas de marca, carros, joias… Mercadorias que eles acreditam que os diferenciará dos demais. Mas não é só isso. Com o crime eles ganham um prestígio que, de outra forma, nunca teriam. As meninas, por exemplo, adoram garotos que andam armados nas comunidades. Adoram meninos que ameaçam e matam. Querem ter filhos com eles. Pensam que, dessa maneira, também serão respeitadas no seu meio.
Aí entra a questão do consumismo incitando a violência?
Também. Para os jovens de hoje, o caminho do estudo e do trabalho parece muito longo e trabalhoso. E que não vale a pena. Querem algo mais fácil. Muitos que começam a fazer o pequeno tráfico de droga visam exatamente isto: um dinheirinho para comprar um computador ou uma roupa de marca.
Com o aumento da criminalidade no Brasil, o debate em torno da redução da maioridade penal volta à ordem do dia. Um projeto, no Senado brasileiro, quer reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crime hediondo, tráfico de drogas, tortura e terrorismo. Como o senhor vê essa questão?
Essa questão, tanto aqui como na Colômbia ou na França, que são os países que eu conheço melhor, vira e mexe volta à tona. No meu país, depois que a maioridade foi reduzida de 18 para 16, o que aconteceu? Os traficantes começaram a recrutar meninos ainda mais jovens. Hoje, na Colômbia, temos criminosos de 10 e até de 9 anos. Respondendo objetivamente: para mim, essa não é a solução. Qual é a solução? Eu não tenho. O que eu posso dizer, à luz da psicanálise, é que esses jovens precisam ser assistidos. Utilizando a psicanálise, ou não, esses jovens precisam de alguém que consiga dar sentido a suas vidas. A fascinação que eles têm pela violência, pelas armas – como já disse –, acontece porque os jovens não têm um lugar para dar sentido a sua própria existência.
A crise de autoridade dos pais, que, muitas vezes, não conseguem ter a mínima ascensão sobre os filhos, também é um fator relevante?
Este é mesmo outro problema sério: os adolescentes, hoje, não acreditam mais nos valores de seus pais. Ou melhor, da mãe, já que a maioria é criada por elas. Em vez de acreditarem nos valores da família, a maioria vive hoje guiada por uma lógica da turma, sem nenhuma ideologia, é claro. Mas tais valores são definidos pelo grupo. Sobrou muito pouco espaço para os valores transmitidos pela família. É claro que precisamos ter cuidado com um tipo de educação que permite tudo. O psicanalista Jacques Lacan dizia muito sabiamente: «Mãe santa, filho perverso». Não saber dizer não, e ser cúmplice do filho, pode ser mesmo muito perigoso na personalidade de um indivíduo. É preciso saber dar limites. E, aqui, atenção: não importa se quem vai exercer essa autoridade será a mãe, o pai, a avó, o avô ou o irmão mais velho. É preciso apenas que, na família, alguém exerça uma autoridade amorosa, muito diferente do autoritarismo. E que não admita que o filho possa fazer tudo.
Talvez sim. Não se esqueça de que, durante a infância, somos cruéis. A criança é cruel. E a sociedade, com o tempo, encarrega-se de canalizar essa crueldade para outros lugares, como o esporte e a cultura. Aos poucos são construídos diques contra essa agressividade infantil, como a moral, a vergonha e o pudor. Com a cultura contemporânea, inegavelmente, há um declínio das instituições. Nossas instituições já não têm, hoje, mais capacidade para controlar essas pulsões.
O senhor acha que o uso indiscriminado da internet no mundo contemporâneo dificulta o controle dessas pulsões nas crianças e adolescentes?
Sem dúvida. Com a chamada globalização, o controle dessas pulsões se tornou mais difícil. E podemos constatar isso dando uma olhada no que está o tempo todo exposto na internet. O que ela, afinal, nos oferece? O gozo total. Com sociedade de pedófilos, masoquistas, anoréxicos, alcoólatras, drogados. A internet não foi criada para regular essas tendências, essas pulsões. Pelo contrário: ela as promove. Todos esses sintomas que vemos nos jovens atuais são promovidos na internet. Se você fizer uma pequena pesquisa na rede, vai encontrar cenas horríveis como a de crianças torturando animais e até de uma turma botando fogo na professora.
E por que tudo isso acontece?
Porque não existe uma repressão a essa crueldade infantil. Pelo contrário: há um gozo adicional que, além de torturar o animal ou maltratar o professor, consiste ainda em filmar e jogar no YouTube. Não basta apenas o ato cruel. É preciso também torná-lo público. Dou mais um exemplo: existem hoje reality shows, com grande audiência em alguns países, não sei se no Brasil, onde as pessoas acompanham cirurgias. Operações invasivas, nas quais o sujeito é reduzido a um mero pedaço de carne. E por que isso acontece? Porque vende, porque dá Ibope. Quer dizer: o simples fato de existirem pessoas que se interessam por esse tipo de programa já demonstra que hoje já estamos constituindo forma de relações que não estão interessadas em construir valores e em reprimir essas pulsões.
Então o uso sem controle da internet incita a violência?
O que acontece é que vivemos hoje um período de grande mudança. E que é irreversível: cada vez mais diminui a distinção entre vida privada e vida pública. Antes da internet, a coisa era muito dividida. A vida privada começava na porta da casa e a vida pública começava da porta para fora. Existia o fora e o dentro. Hoje não. Com a internet, tudo isso foi posto em xeque: a vida privada se tornou pública. Com o Facebook, por exemplo, não existem mais fronteiras. E, a partir daí, sua imagem, seu corpo não são mais privados. Quando você publica sua foto, ou faz seu comentário e explicita suas preferências, isso se torna automaticamente público. Paradoxalmente, por outro lado, a internet acaba aumentando a solidão, pois quem está on-line renuncia ao bar, ao café, ao parque, ao cinema.
E quais são os maiores riscos em relação a esse excesso?
É claro que, em excesso, isso pode ser perigoso. Hoje, nos EUA, já existem, da mesma maneira que os alcoólicos anônimos, instituições que tentam recuperar viciados em internet. A coisa já virou patologia. Mas preste atenção: não estou, com isso, dizendo que o problema seja da internet. Não. O problema é como utilizamos. Podemos usá-la para educar, mas também para produzir novas patologias. Ela em si não é um mal. Sou otimista com o futuro da internet.
Será que em países como o Brasil ou Colômbia não são as diferenças sociais que explicam melhor o porquê da violência? O senhor acha mesmo que a psicanálise pode explicar nossa violência urbana?
Antes de me formar psicanalista, tive formação em sociologia. E também pensava o fenômeno da violência de maneira sociologizante. Mas um dia, durante uma pesquisa de campo, um jovem de uma favela colombiana me disse uma frase que nunca mais esqueci. Ele me disse: «Eu vivi toda essa violência que o senhor vive estudando. Dos meus 40 colegas de classe, sou o único sobrevivente. Sabe por quê? Porque, enquanto meus colegas se tornaram bandidos ou traficantes, eu me tornei um líder comunitário». Naquele dia, percebi que a sociologia não poderia explicar por que as pessoas optam pelo crime. Todas elas não tiveram escolas nem oportunidades. Mas nem todas optaram pelo crime.
Sua cidade, Medellín, já foi considerada uma das mais violentas do planeta, nos anos do traficante Pablo Escobar, década de 1980, quando imperava os cartéis de droga. Como vocês venceram a violência?
Nos anos em que Pablo Escobar mandou na Colômbia, eu morava em Paris. Era estudante, muito jovem, tinha só 23 anos. Só voltei para a Colômbia mais tarde, com 31 anos, em 1990. Escobar, naquele momento, mantinha uma guerra contra o Estado. Tinha grande poder econômico e corromperia quase toda a classe política. Ele tinha tanto dinheiro que um dia teve uma ideia: pagar, sozinho, toda a dívida externa do país. Em troca, teria o direito de mudar a Constituição colombiana. Para ele, o tráfico de cocaína deveria ser legalizado. Seu argumento era simples: assim como a lei seca nos EUA foi modificada e os americanos passaram a vender álcool legalmente, o mesmo poderia ser feito na Colômbia. Só que com a cocaína. Felizmente, nem toda a classe política colombiana estava comprada pelo dinheiro dele. E ele acabou derrotado.
Alguns políticos colombianos começaram a encarar o problema do narcotráfico…
Exato. Na Colômbia, naqueles anos, começamos a perceber que o problema não estava nem no consumidor nem no produtor. O usuário de droga não deveria ser punido, já que é um doente. Nem o produtor, o camponês, que prefere plantar a folha de coca simplesmente porque, economicamente, é mais interessante do que plantar, digamos, feijão. Percebemos que o problema estava no narcotraficante. A violência vinha dele. Era ele quem corrompia a classe política. Como você sabe, não existe democracia onde existe corrupção. O sonho de Escobar era chegar a ser presidente da República. Mas a sociedade colombiana reagiu, não aceitou isso. No começo foi difícil, e muitos candidatos que defendiam leis para punir traficantes foram assassinados. Mas, em 1993, Escobar foi morto por autoridades colombianas, e começou então a mudança. Hoje, é claro, ainda existem narcotraficantes por lá, mas não são tão poderosos nem tão grandes como Escobar. O que acabou acontecendo é que o centro do tráfico foi deslocado de Medellín para o México. Hoje, os mexicanos vivem um problema muito parecido com o que vivíamos nos anos 1980 e 1990.
Mas foi uma mudança lenta?
Começou, sobretudo, quando Sergio Fajardo se tornou prefeito de Medellín. O mais sintomático é que a mudança não começou na classe política, mas de gente que vinha de fora dela. Fajardo era professor de matemática e não fazia, até então, política. No início, ele dizia uma coisa muito simples, até banal: vamos transformar Medellín na cidade mais educada do mundo. Começou então a construir bibliotecas e colégios de qualidade dentro das favelas. Além disso, melhorou o transporte. Com a transformação urbana, a população começou a gostar mais da cidade. As pessoas começaram a se sentir donas da cidade e, logicamente, preocupadas em conservá-la. Queriam fazer de Medellín um lugar bom para viver. A violência começou a cair quando mudamos a mentalidade de todos e a população passou a gostar da cidade. Depois de três prefeitos, pouco a pouco, a violência foi caindo. Uma mudança, claro, lenta e que acontece até hoje. Mas constante. Não estou dizendo que hoje não temos problemas. Claro que temos. Mas hoje já não somos mais a cidade mais violenta do mundo.